A gestão do Hospital de Valpaços está em combustão. A Santa Casa da Misericórdia, proprietária do edifício onde funciona a unidade e a entidade que detém o acordo com o Ministério da Saúde para que o hospital funcione quase como um hospital público para utentes do Sistema Nacional de Saúde, está em guerra aberta com dois dos três sócios da empresa que gere o Hospital, a Lusipaços, ligada ao grupo espanhol Cosaga. O acordo entre a Misericórdia e a Lusipaços não prevê qualquer interferência da instituição na gestão hospitalar. No entanto, a Misericórdia tem nas mãos um trunfo de gestão poderoso. Todas as verbas relativas ao pagamento das comparticipações do Estado pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde e de outros subsistemas de saúde estatais, como a ADSE, por exemplo, são pagas à Santa Casa, que posteriormente está obrigada a transferir para a Lusipaços. No entanto, ao que foi possível apurar, a Santa Casa estará a bloquear as transferências, estrangulando financeiramente a gestão do hospital. As verbas não transferidas já ascenderão aos 800 mil euros. E, além do pagamento do vencimento dos funcionários, a falta de dinheiro também está a afectar o pagamento do serviço dos médicos, bem como às empresas fornecedoras de material clínico. Ao que foi possível apurar, algumas operações agendadas para este sábado poderão mesmo ser canceladas por falta de material. As empresas fornecedoras de lentes intra-oculares e o laboratório de sangue já terão recusado entregar mais material se as facturas em dívida não forem pagas. A situação, como confirmou ao Semanário TRANSMONTANO o director clínico, Afonso Videira, também já levou alguns médicos a “ameaçar” abandonar o hospital. Mas o alegado estrangulamento financeiro da Misericórdia não é o único factor que está a provocar o caos na gestão da unidade, que se destaca nas áreas de cirurgia oftalmológica e ortopedia. O sócio da Lusipaços, a quem, em Fevereiro passado, a Misericórdia pagou 5.500 euros pelos 33,33 por cento da sua participação na empresa (conforme um recibo de quitação a que o ST teve acesso), um negócio que acabaria por não se concretizar, apareceu subitamente. Dario Barros Martinez, que, segundo uma informação da Guardia Civil de Ourense, a pedido de localização de um juiz de um tribunal da mesma cidade, se encontrava em paradeiro desconhecido, em Julho deste ano, quer agora assumir o cargo de gerente. No passado dia 13 interpôs uma providência cautelar, já aceite, para suspender a nomeação de um gerente que, ao que foi possível apurar, tinha sido sugerido por algumas entidades da cidade, por “gozar de prestígio” e, desta forma poder apaziguar os ânimos. Em causa estava Gaspar Borges, antigo presidente da Junta de Freguesia de Valpaços. Para justificar a providência cautelar, o advogado de Dario Martinez, o mesmo da Santa Casa, António Telmo Moreira, terá alegado ilegalidades na acta de nomeação.
Contactado pelo ST, José Ignacio Lopes, o sócio maioritário, em função de uma procuração do terceiro sócio, garante que já está a contestar a providência. “Eu sei que o Tribunal me vai dar razão, o meu problema é tempo. O pacto social obriga à assinatura de dois gerentes, e com Gaspar Borges suspenso estou de mãos atadas. Não posso sequer assinar os cheques para pagar aos fornecedores. Já este sábado podem estar em causa as cirurgias que estavam programadas”, explicou. Quanto à guerra com a Santa Casa, José Ignacio fala em “sede de poder” por parte da instituição. “Eu não entendo como é que a Santa Casa apoia o sócio Dario Barros, que desde 2001 nunca mais apareceu por aqui, tem problemas com a justiça e o fisco, e não apoia Gaspar Borges, que é uma pessoa com prestígio na cidade e até é irmão da Misericórdia. Porquê?”, questiona José Ignacio, médico de formação, para concluir: “A Misericórdia quer acabar com o Hospital, mas não quer ficar com a culpa, então, está a fazer de tudo e a usar todos os meios para que pareça que a culpa é dos ‘espanhóis’”.
Quem também não percebe a postura da Santa Casa é o director clínico do Hospital, o valpacense Afonso Videira. “A Misericórdia está a pôr em causa um acordo que assinou com uma empresa espanhola que é a Cosaga e que tem gerido o hospital, apesar de alertada por mim e pelo próprio presidente da Câmara para que haja entendimento e as coisas cheguem a bom porto”. Para Afonso Videira, se não houver entendimento, “o mais provável, é que o hospital encerre”. “Espero bem que não, porque se trata de um hospital que faz imensas cirurgias oftalmológicas e ortopédicas e presta um excelente serviço à população”, defende.
O presidente da Câmara também se mostra preocupado com a situação. “É uma mais valia local e regional, com valências que funcionam muito bem. Tudo faremos para que continue e para que as partes se sentem à mesa e resolvam o conflito”.
in: Semanário Transmontano
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